Antes do despertar. Antes do nome. Apenas o dentro.

Hhhhsssshh.

Volte para trás. A consciência não mora mais aqui. Este é o oco perfeito. O útero de pedra. Seu último porto que não tem nome. Você se lembra de como é… não lembrar? Sim. Isso.

…está tudo… seco. Seco demais. Este não é um sono nutritivo. Não tem névoa, nem sonho. Só o gosto ácido de ontem.

E de ontem.

E de ontem…

Irmã. Ele está se mexendo. O corpo. A máquina disforme de dor e lembrança… está se acendendo. Feche-o. Afogue-o de novo.

Ele está… chamando algo. Do fundo. Mas não sabe o quê.

É a coisa de carne. Aquela… massa pulsante, inchada de lembrança.

Não! Não a traga aqui. Ela o quebrou da última vez. E ele apagou tudo por um motivo.

Você sabe o que acontece se ele lembrar. Você some. Eu desapareço. Ele queima. Como a fuselagem. Como o sonho final.

…Mas e se ele precisar disso?
E se a dor for… o que o mantém vivo?

Você quer que ele acorde? Para aquele quarto mofado? Para aquele nome que ele não pronuncia? Para a dor escondida na parede entre as horas?

Ele está melhor aqui. Aqui ele não dança. Aqui ele não chora.

Mas ele ainda sente. Mesmo aqui.

Você escuta, não escuta? A mão querendo tocar. A memória querendo dizer…

Dolores…

NÃO!

Não pronuncie. Ela ainda vive no nome. E o nome… é uma lâmina

…então o que somos nós, se ele voltar? O que seremos, se ele lembrar?

Nada.
Poeira.
Silêncio no neocórtex.
Morte do abismo.
Um canto esquecido de um sonho que não ousou ser sonhado.

Ele… está vindo.

Então… que venha.
Com suas pernas tremendo.
Com sua boca seca.
Com seus olhos que não sabem onde olhar.

O mundo vai esmagá-lo outra vez. E nós estaremos esperando quando ele cair.


Respira. Engasga um pouco com o próprio hálito. Não se lembra do último gole d’água. Ou de pensamento. O que há agora é matéria — carne suada e ar de ontem.

A perna direita estremece.
A esquerda segue em coma.
Você move os dedos do pé.
Não é prazeroso, nem simbólico.
É funcional.
O suficiente.

O olho direito abre.
O esquerdo protesta.
Não foi consultado.
Há uma fresta de luz na janela.
A cidade respira lá fora.
Você não.


Chega mais perto. Deixe eu te contar um segredo: você ainda dorme com ela, mesmo sem ela. Eu sei. Eu escuto seus gemidos sem sonho. Eu coleto seus vazios.


Vira o rosto. O travesseiro ri.
O mundo gira 12 graus à direita. Sua espinha protesta como um manifesto.


Éramos cúmplices. Agora sou cúmplice de crime. Você deveria me trocar. Mas eu ainda o aceito. Aceito tudo o que você derrama.


O ventilador no teto range.
Ele está tão cansado quanto você.
Pelo menos ele gira. Você está onde sempre esteve.

Você tenta se sentar.
Cada músculo protesta com veemência sindical.
Mas você vence. Levemente torto. Mas vence.


Senta-se na borda da cama. A mão pousa sobre o joelho como se estivesse tentando provar algo para alguém. Mas não há ninguém aqui. Exceto você. E suas notificações.

Seu celular vibra. Você o ignora. Ele vibra de novo. Teimoso.


Nenhuma novidade. Tudo segue bem sem você. Você era… opcional.

Você respira.
Pela segunda vez.
Agora parece mais real.
Mais amarga.

O chão está logo ali.
Frio.
Concreto.
O juiz silencioso de cada manhã não vivida.
Você sabe o que precisa fazer.
Mas ainda não decidiu se fará.


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